terça-feira, 5 de maio de 2015

Os argumentos para convencer a opinião pública da importância da exploração espacial

Que argumentos avançar para convencer a opinião pública que é benéfico e até necessário investir na exploração espacial? Foi a esta pergunta que tentou responder a escritora americana Joelle Renstrom, que escreve habitualmente sobre a relação entre ciência e ficção científica.

No blogue Future Tense (Futuro Simples) - que é uma colaboração entre a revista em linha Slate, o instituto New America e a Universidade Estadual do Arizona, Renstrom começa por recordar que regularmente a Nasa enfrenta o mesmo desafio: não saber se o orçamento que lhe vai ser outorgado pelas autoridades estatais vai sofrer cortes.

E lá têm os seus dirigentes que ir reinventar novos (velhos) argumentos para tentar convencer os políticos e o público a "gastar" dinheiro na exploração espacial. Uma tarefa tanto mais árdua numa época de crise em que a opinião pública depressa se torna susceptível nestas questões e vê com olhos críticos que o Governo gaste demasiado dinheiro em certos sectores em detrimento de outros que esta considera mais importantes.


1960-1980: Do argumento geopolítico de Kennedy ao desígnio filosófico de Carl Sagan

A autora diz que "é ao passado que temos de ir procurar os bons argumentos". Recordando que em 1962 John F. Kennedy conseguiu galvanizar um país inteiro em torno de um objectivo comum - chegar à Lua, feito histórico alcançado em apenas sete anos -, Renstrom lembra que no seu apelo o presidente norte-americano recorreu a argumentos em torno da segurança interna e do orgulho da nação face a um inimigo geopolítico e ideológico, a URSS. "A retórica política de Kennedy fez duplicar o orçamento da Nasa entre 1962 e 1963, e quadruplicar entre 1962 e 1966".

Joelle Renstrom recorda também os argumentos filosóficos que o famoso astrónomo, cosmólogo, astrofísico e astrobiólogo Carl Sagan tentou difundir nos seus trabalhos de vulgarização científica nos anos 1970 e 1980 (como por exemplo na série "Cosmos", que alcançou sucesso mundial). Sagan explanava, com um entusiasmo e um carisma que contagiaram gerações de novos cientistas, que a exploração espacial, e a ciência em geral, elevam e sublimam a Humanidade na sua essência enquanto civilização. Ao mesmo tempo apelava para que isso não nos tornasse arrogantes, antes humildes, e lembrava o lugar do nosso pequeno "ponto azul pálido" (a Terra) na imensidão vasta e incomensurável do Universo.

No entanto, lamenta Renstrom, "actualmente, até o pupilo de Sagan, Neil deGrasse Tyson [astrónomo e cosmólogo] considera que esses argumentos estão estafados, porque as massas não se interessam pelo que não dá resultados imediatos".

Renstrom lamenta ainda que hoje em dia "até os argumentos mais básicos sobre os benefícios práticos e tecnológicos que trazem a exploração e as descobertas espaciais não respondem às perguntas porque devemos investir dinheiro neste sector e porquê agora".

No seu artigo, Joelle Renstrom não o menciona, mas eu lembro que nos anos 1990, a baixa nas verbas para a Nasa, provocada, entre outros pontos, pela explosão do vaivém Challenger (em 1986), e o desmembramento da União Soviética (1991), levaram os EUA a colaborar com a Rússia na criação de uma estação orbital.

A China, Marte e "o comércio do espaço"

A autora verifica que actualmente EUA e Rússia já não são competidoras, antes colaboradoras, na exploração espacial, inclusive "a Nasa recorre às cápsulas russas Soyuz" para enviar os seus astronautas até à estação espacial internacional (ISS), que é hoje um projecto que reagrupa 16 países,

Mas há um novo jogador em campo, precisa Renstrom. "A entrada da China na corrida espacial pode reacender uma competição sã entre nações". A autora admite que um discurso ideológico à Kennedy para galvanizar os EUA "contra uma nação comunista" [como era a URSS nos anos 1960 e como é hoje a China] "é obsoleto e não funcionaria". Mas o outro argumento de Kennedy - ser primeiros e sê-lo porque podemos - pode tocar os americanos no seu orgulho de grande nação.

A China acabou de colocar um rover na Lua, tem uma estação espacial (Tiangong 3) já a orbitar (para já, não habitada) e o próximo objectivo é enviar um taikonauta (astronauta chinês) até Marte. Renstrom propõe Marte como meta para competir com a China.
Aspecto da estação espacial chinesa Tiangong 3 quando estiver terminada

Renstrom não o menciona mas também a Índia, o Brasil ou o Irão querem lançar-se na corrida espacial, mas pensa que há um argumento de peso que pode estimular o financiamento na exploração espacial nesta segunda década do século XXI: "a competição entre empresas privadas".

O "comércio do espaço" pode ter (já tem) várias vertentes. Primeiro, diz Renstrom, o turismo espacial, que "está a tornar acessível a órbita baixa da Terra a cada vez mais pessoas". Renstrom diz que conta com "a mediatização de turistas espaciais famosos", e dá o exemplo de Lady Gaga, para impulsionar o turismo espacial.

A escritora refere também o pioneirismo da Space X, a primeira companhia privada a conseguir um contrato para enviar uma nave até à ISS, o que prova que "o mercado do frete espacial tem capacidade para se desenvolver". A empresa "está a desenvolver naves tipo vaivém" e "conseguiu roubar um contrato ao foguetão europeu Ariane 5 para colocar em órbita satélites comerciais".

Hoje em dia, diz, "as empresas privadas conseguem construir naves por metade do preço da Nasa". Ou seja, a autora considera que o investimento no espaço pode impulsionar a economia americana e mundial, globalmente estagnadas, e que isso, sim, é um argumento que pode sensibilizar os políticos e o homem da rua.

Renstrom não o diz, mas acrescento eu, numa das suas conferências, Neil deGrasse Tyson afirma que a pessoa que quiser ser o primeiro trilionário do Mundo deve investir na exploração do espaço, porque é aí que se encontram inúmeros recursos, que podem valer milhões, biliões, triliões.

Renstrom evoca deGrasse Tyson mas para lembrar que o astrónomo considera que "a exploração espacial deve ser feita pelos governos, quando se trata de atingir novas fronteiras, depois disso as empresas privadas poderiam desbravar trilhos".

Espero que estes argumentos sejam suficientes para que os Estados continuem a investir no espaço.

Nos anos 1980, a Nasa previa fazer chegar o primeiro homem a Marte em 2015 e criar a primeira colónia marciana em 2045. Temos, portanto, 15 a 20 anos de atraso. Atraso provocado, entre outros precalços de agenda, pelas explosões dos vaivéns Challenger (1986) e Discovery (2002), pela crise financeira 2008-2015, que levou a Administração Obama a abandonar o programa americano "Constellation" para regressar à Lua.

Em contrapartida, o tempo de vida da ISS foi prolongado, de 2016 para 2024; Nasa, ESA, Rússia, Japão e outras nações colaboram cada vez mais; as missões Kepler, Hubble e outras têm descoberto um número exponencial de exoplanetas. Sinais que deixam adivinhar que melhores tempos estão a chegar no que concerne o investimento e o empenho da Humanidade na exploração espacial.