O ministro da economia do Luxemburgo, Etienne Schneider, e Jean-Jacques Dourdain, ex-director da ESA Foto: ESA |
A afirmação do francês, engenheiro de formação e que dirigiu a ESA entre 2003 e 2015, foi feita durante o Fórum ICT Spring, encontro sobre novas tecnologias que decorreu na semana passada, em Kirchberg.
Este ano, o fórum foi dedicado ao Espaço, como forma de responder à agenda científica e económica traçada recentemente pelo ministro da Economia luxemburguês, Etienne Schneider. Em Fevereiro o ministro anunciou que o Governo do Luxemburgo quer adoptar um quadro legal que permita às empresas privadas que decidam instalar-se no país para explorarem minério espacial de terem assegurados os “seus direitos” aos recursos extraídos dos asteróides.
“O Luxemburgo é o lugar certo para lançar este projecto de explorar asteróides. É um país com tradição no espaço, com a SES, que é a segunda operadora mundial de satélites [baseada em Betzdorf] e na extracção de minério, graças ao seu passado siderúrgico. E como praça financeira é também o local certo para encontrar investimento para este novo sector”, acrescentou Dordain, na conferência dedicada a este tema, integrada no Fórum ICT.
“Fiquei muito surpreendido e contente quando o Estado luxemburguês me contactou”, confiou Dordain, para quem esta decisão do Grão-Ducado é “inteligente”.
“A Terra é finita e a penúria de minérios vai aumentar nos próximos anos. É preciso olhar mais além. Ao investir na exploração de minérios do espaço, que tem recursos minerais ilimitados, não só vamos poupar o nosso planeta à extracção intensiva como pode revelar-se uma formidável nova fonte de rendimentos, que podem ser substanciais”, disse o consultor.
No público, alguém lembrou que o chefe-astrónomo do Observatório de Nova Iorque, Neal deGrasse Tyson, já dissera em 2013 que “o primeiro trilionário do mundo será alguém que souber extrair os recursos naturais dos asteróides, que são raros na Terra, mas abundantes no espaço, como a água, a platina, o ouro e o irídio”.
“Apesar de ser uma indústria ainda pequena à escala global, em 2014 o sector espacial cresceu 9% em relação ao ano anterior e atingiu os 330 mil milhões de dólares anuais. Cerca de 76% da economia espacial mundial está ligada aos voos comerciais, o resto são investimentos governamentais” das nações ditas espaciais – EUA, Rússia, Canadá, UE, Japão e China – lembrou, por seu lado, Daniel Faber, da Deep Space Industries (DSI), com a qual o Governo luxemburguês assinou um contrato para a exploração de asteróides.
Para o australiano da DSI, “os asteróides são as “baratas do espaço”. Silêncio na sala. “Eu explico”, continua Faber, “para mim, os asteróides são como as baratas porque podemos usá-los e esmagá-los antes que mordam”. Gargalhada geral. Sem o objectivo de ser um “designío nacional”, como o lançado por John F. Kennedy, que queria que os EUA fossem a primeira nação a chegar à Lua nos anos 60, o Governo do Luxemburgo vê este projecto como algo transversal a toda a sociedade e economia do país.
“O Governo luxemburguês está empenhado em atrair o maior número de sectores da economia nacional para o seu projecto de exploração e extracção de minérios em asteróides, da educação à saúde, passando pelas telecomunicações, novas tecnologias, indústria e outros”, garantiu Mathias Link, que é também um dos consultores de Etienne Schneider para o espaço.
Depois de o Presidente Obama ter promulgado o ’Space Act’ nos EUA, legislação que autoriza a exploração comercial das riquezas encontradas em asteróides e na Lua, “o Luxemburgo foi o primeiro país do mundo a reagir e apenas dois meses depois (em Fevereiro deste ano) lançou este projecto”, recordou Mathias Link.
“Actualmente há cada vez mais empresas privadas a apostar neste sector, que vêem o espaço como uma grande oportunidade económica, e apraz-nos afirmar que o Luxemburgo está no pelotão da frente”, acrescentou Link.
“O sector espacial está a mudar e a democratizar-se muito rapidamente. Hoje o acesso ao espaço é cada vez mais barato”, disse Dordain.
“ÁGUA VAI SER O RECURSO NATURAL DO SÉC. XXI”
Um dos elementos essenciais que estas novas empresas contam encontrar nos asteróides é água, que existe também em cometas, muitos planetas e até na Lua. “A água vai ser o recurso natural do século XXI, como o petróleo foi o do século XX”, disse por seu lado Chris Lewicki, que trabalhou dez anos como engenheiro na NASA e agora dirige a sua própria empresa, a Planetary Resources, que também planeia explorar asteróides.
“Vamos precisar de água nas futuras estações espaciais, a ISS [a Estação Espacial Internacional] só deverá funcionar até 2024, e nas viagens interplanetárias”, disse Lewicki. Ao que alguém no público lembrou que da água pode também ser extraído o oxigénio para os sistemas de vida das naves. “Para quê levar água da Terra se ela existe no espaço?”, perguntou o patrão da Planetary Resources, que também está em negociações com o Governo luxemburguês.
Para Lewicki, “a Humanidade tem que ir além da Lua e da órbita baixa da Terra”, onde orbita a ISS. “Está na altura de expandirmos a esfera económica humana no Sistema Solar”. Jean-Jacques Dordain concorda: “Explorar os recursos do espaço vai tornar o voo espacial mais fácil e isso vai ajudar-nos a chegar a Marte e a explorar o resto do Sistema Solar”.
NAVE SERÁ CONSTRUÍDA NO LUXEMBURGO
Daniel Faber aproveitou para revelar o que envolve o contrato da DSI com o Estado luxemburguês. A primeira fase passa pela concepção da nave Prospector-X, protótipo para voos-teste, e que deverá ser construída no Grão-Ducado. As naves seguintes serão a Prospector-1, que vai deixar a órbita terrestre e pousar num asteróide, a Harvester-X, que testará a extracção de minério num asteróide, e a Harvester-1, pensada já para a extracção em grande escala. Para já, a empresa californiana tem apenas um escritório no boulevard Royal, na capital luxemburguesa, e não adiantou mais pormenores sobre em que unidade fabril, existente ou futura, será construída a ou as naves.
Durante esta palestra, a empresa japonesa Ispace e a alemã PT-Scientists, apresentaram os seus robots-rovers lunares, ambos candidatos ao “Google Lunar Xprize”, concurso internacional que vai atribuir 30 milhões de dólares ao projecto mais promissor para explorar o nosso satélite natural. Os donos da DSI e da Planetary Resources quiseram saber se os rovers podiam circular em asteróides e outros corpos celestes, mas admitem que o facto de haver água e prata na Lua não é suficiente para suscitar o seu interesse.
“A Lua não é interessante, os asteróides são mais ricos em recursos”, disseram. O debate com os especialistas abordou ainda o futuro da propulsão de naves, os vaivéns ’low-cost’ com decolagem e aterragem vertical, os sistemas de vida das naves, as comunicações espaciais, as plataformas orbitais e o futuro incerto da ISS, os lançadores de foguetões e a viagem para Marte, assuntos que saíram em poucos anos da ficção científica para fazer parte da ciência e das notícias do dia-a-dia.
No Fórum ICT Spring Luxembourg 2016 estiveram especialistas de 72 países e nos diferentes debates foram abordados temas como a conectividade global, o sector da e-Saúde e a “era da abundância”, termo inspirado na série Star Trek sobre uma hipotética economia anti-capitalista futurista, e que neste caso concreto debateu a forma como a tecnologia está (ou não) a fomentar o bem-estar da Humanidade.
Neste fórum foi também debatido como as novas tecnologias estão a mudar a forma de as empresas contratarem pessoal e até um novo desporto (tekball) que nasceu no Luxemburgo.
José Luís Correia
in Contacto, 18/05/2016