domingo, 31 de maio de 2015

Bas Lansdorp (Mars One), o holandês que quer enviar humanos para Marte

O holandês Bas Lansdorp é co-fundador e administrador da Mars One, empresa que planeia enviar humanos para Marte a partir de 2027 Foto: Manuel Dias
O holandês Bas Lansdorp é co-fundador e administrador da Mars One, empresa que planeia enviar humanos para Marte a partir de 2027.

Ao CONTACTO concedeu a única entrevista no Luxemburgo. Bas Lansdorp é formado em Engenharia Mecânica pela Universidade de Twente (Holanda). Trabalhou entre 2003 e 2008 na Universidade de Tecnologia de Delft. Em 2008, criou uma empresa onde desenvolveu um novo método de gerar energia eólica, companhia que vendeu em 2011 para criar a Mars One.

CONTACTO: Porque razão quis criar um projecto que está a tentar enviar humanos para Marte? 

Bas Lansdorp: Lancei este projecto porque eu próprio quero ir a Marte. Penso que ir a Marte vai ser dos feitos mais importantes que a Humanidade vai fazer no século XXI. Não importa se é a Mars One que vai fazê-lo ou outros. Daqui a 500 ou mil anos, quando as crianças estudarem o século XXI, vão aprender que este foi o século em que a Humanidade começou a instalar-se noutros planetas. Não vão estudar que facções estavam em guerra na Síria ou a crise económica, vão aprender os feitos importantes da Humanidade e a chegada a Marte vai ser uma delas.

CONTACTO: Portanto, você estaria disposto a ir para Marte? 

B.L.: Sim, claro que quero. Não nas primeiras viagens, porque não sou qualificado para o fazer, mas nas missões posteriores. Sou teimoso, impaciente e aborreço-me com facilidade, o que são boas qualidades para um empresário. Por exemplo, estou aborrecido que ninguém esteja a organizar missões para Marte, por isso vou eu fazê-lo. Mas estas são péssimas qualidades para fazer parte da primeira missão, porque a primeira equipa vai ter apenas quatro pessoas, que vão ter que viver num ambiente muito condicionado durante dois anos até chegar a segunda equipa. Talvez mais tarde eu possa ir e levar a minha família. Aliás, se não tivesse família eu ia já na primeira missão. O facto de ser uma viagem só de ida não é de todo um problema para mim. Ir para Marte é comparável às pessoas, entre eles muitos portugueses, que há 100 anos emigravam para a América ou para a Austrália e que nunca regressaram.

CONTACTO: Dos 200 mil candidatos que se inscreveram para integrar o projecto em 2013 quantos ainda estão em liça? 

B.L.: Em Abril de 2013 abrimos as inscrições, recebemos 200 mil candidaturas. Em Janeiro de 2014 reduzimos o número de candidatos para mil, depois para 700 e em Fevereiro último seleccionámos 100 pessoas de 35 países: 50 homens e 50 mulheres, 39 americanos, 31 europeus, 16 asiáticos, sete africanos e sete da Oceânia. Têm entre 19 e 60 anos, 48 têm entre 26 e 35 anos. Penso que já não há portugueses na lista, mas também já não há holandeses. Em Julho anunciaremos as seis equipas finais, de quatro elementos cada, dois homens e duas mulheres.

CONTACTO: Que qualidades devem ter os candidatos? Têm que ter formações específicas em engenharia, medicina, agricultura...? 

B.L.: Têm de estar de boa saúde, ser inteligentes, porque vão ter que aprender novas competências. Uma das qualidades que mais procuramos é o espírito de equipa. Têm que ser pessoas que funcionam ao seu máximo integrados num grupo. Queremos enviar os melhores para Marte, mas sobretudo as melhores equipas, que têm de trabalhar e conviver juntas, e sobreviver a qualquer situação difícil. As suas vidas vão depender dos outros membros da equipa. Consideramos que ter conhecimentos em medicina, engenharia ou agricultura – para cultivar lá a sua própria comida – são menos importantes neste momento, porque são competências que lhes podemos ensinar. Temos 10 anos para o fazer. A primeira missão tripulada está planeada para 2027, em dez anos alguém pode formar-se em engenharia e depois em medicina.

Depois, as competências em engenharia que procuramos não são forçosamente as que uma pessoa aprendeu na universidade. Não queremos alguém que desenhe um novo sistema de suporte de vida, mas alguém que saiba trabalhar com o sistema que vamos enviar, consiga perceber a avaria e que componente trocar para a consertar. Na verdade, um canalizador com uma experiência de cinco anos, que até perceba de electricidade, e que só não foi para a universidade porque a família não tinha recursos, para nós é um candidato mais adaptado para este trabalho do que alguém com um doutoramento em Física Teórica.

"Ainda há 100 candidatos em liça para ir colonizar Marte, de 35 países diferentes."
Foto: Manuel Dias

CONTACTO: Porque diz que ninguém está a trabalhar para enviar missões tripuladas para Marte? A Nasa está a fazer simulações de missões em Marte no deserto do Utah. A Nasa, os europeus (ESA), os russos e até os chineses tem missões para Marte agendadas para daqui a 20 anos. 

B.L.: As agências espaciais dizem que querem enviar missões para Marte daqui a 20 anos e algumas, como a Nasa, já o dizem há 45 anos. O problema é o mesmo para todos: é a missão de regresso, que é algo complexo e que até agora ninguém conseguiu resolver. Chegar a Marte não é um problema, o que é complicado é fazer regressar a tripulação. Seria preciso construir lá uma base de lançamento o que é muito difícil... Nós resolvemos eliminar essa parte da equação. Sem o problema do regresso, podemos concentrar-nos em todos os elementos para montar uma colónia em Marte que consiga auto-sustentar-se e criar as condições para a ida de mais pessoas.

CONTACTO: Ao mesmo tempo as agências espaciais criticam muito o seu projecto... 

B.L.: Se o nosso projecto não fosse criticado isso significaria que não estaríamos a fazer nada de muito excitante ou desafiante.

CONTACTO: Se bem percebi, a viagem de ida não é um problema, quer dizer que a tecnologia já existe? 

B.L.: Neste momento não é preciso inventar nada novo para enviar seres humanos para Marte. Tudo o que precisamos, como um sistema de aterragem ou um sistema de suporte de vida, já existe.

CONTACTO: Já resolveram a questão de como sustentar quatro tripulantes durante sete meses, que é o tempo que dura a viagem? 

B.L.: Os tripulantes vão consumir comida desidratada, cerca de 60 gramas por dia. A matemática é simples: 60 gramas a multiplicar por quatro pessoas, a multiplicar por 200 dias, ou seja, são necessários 500 kg em comida. Os astronautas da estação espacial internacional (ISS) ficam cerca de seis meses no espaço, por isso...

"Quero desepenhar um papel na chegada a Marte".


CONTACTO: Sim, mas a ISS é aprovisionada regularmente desde a Terra... 

B.L.: Mas a nossa nave já vai transportar todo o oxigénio e comida necessária, isso não vai ser um problema. As reservas de água vão funcionar como na ISS (a água que os astronautas consomem provém da sua própria urina filtrada e purificada, ndR). Os maiores desafios estão em Marte. Os sistemas de suporte de vida vão ser testados na Terra e deverão funcionar lá também. Os fatos dos astronautas é outra questão. A gravidade, a atmosfera, a areia e o pó de Marte não são como aqui na Terra, por isso não sabemos como os fatos vão funcionar e a velocidade do seu grau de usura.

CONTACTO: Um estudo do MIT (Massachusetts Institute of Technology) diz que o que vocês planeiam em Marte não é viável: não se sabe se é possível extrair água do gelo que existe no subsolo marciano e ter plantas num habitat fechado para a renovação do oxigénio é demasiado perigoso, porque é um ambiente inflamável e mesmo explosivo... 

B.L.: Ao contrário do que muitos jornalistas escreveram, depois de ter lido esse estudo, a nossa equipa não vai morrer ao fim de 68 dias em Marte. Assim que chegar, a equipa vai montar o sistema para fazer crescer a sua própria comida. Quanto à água, vamos testar a extracção de água nas primeiras missões robóticas. Se não funcionar, teremos que adiar o envio de seres humanos até resolver esse problema. A questão do oxigénio pode ser resolvida com o mesmo tipo de máquinas de oxigénio que todos os hospitais têm e que já é hoje utilizado para remover o dióxido de carbono na ISS.



CONTACTO: Com que empresas estão a trabalhar? 

B.L.: A Lockheed Martin (que constrói os foguetões da Nasa, ndR) está a trabalhar nas nossas missões não tripuladas, previstas para 2020, e deverá também conceber o sistema de aterragem das missões de transporte a enviar em 2024. A Paragon Space está a trabalhar nos sistemas de suporte de vida e nos fatos dos astronautas. Mas há muito mais empresas a trabalhar connosco.

CONTACTO: A primeira equipa que vai para Marte é composta por dois homens e duas mulheres. Vocês incentivam-nos ou desaconselham-nos a envolver-se sentimental e sexualmente uns com os outros? 

BL.: Cada equipa vai ter quatro pessoas, que já a partir de 2016 vão ser colocadas em simuladores habitacionais em zonas desérticas para simular a estadia em Marte...

CONTACTO: Já agora, onde vão ser esses simuladores? No Utah, onde a Nasa está fazer as suas simulações para Marte, ou na Islândia, que dizem ter um relevo muito parecido com o de Marte? 

B.L.: Ainda não posso revelar onde vai ser... Mas, respondendo à outra pergunta, note que os candidatos vão fazer parte da mesma equipa durante 10 anos. É muito irrealístico pensar que não se vão envolver sentimentalmente. Mas ao mesmo tempo, penso que é uma má ideia enviar casais para Marte, porque se o casal acabar pode quebrar a dinâmica da equipa. Temos que avaliar como cada um gere as suas relações com a equipa e isso também determina se esse é o grupo certo para ir. O que não podemos fazer é tentar interferir na natureza humana.

CONTACTO: Pensa que esses casais se reproduzirão em Marte? 

B.L.: Penso que não. Quando um casal pensa em ter filhos reflecte em que ambiente este vai crescer. Nos primeiros tempos em Marte, a colónia ainda vai ser um local muito perigoso para uma criança. E os pais teriam que equacionar se a criança cresceria de forma normal num planeta em que a gravidade é mais reduzida do que na Terra...

CONTACTO: Seria o primeiro marciano... 

B.L.: Sim, até pode ser. Eu cá acho que o primeiro marciano vai ser um rato nascido num dos laboratórios que montaremos em Marte. Antes de qualquer criança nascer em Marte, teremos que estudar o processo de gestação e crescimento de um ser vivo naquele planeta. Se os humanos querem um dia ser uma espécie multi-planetária têm que se reproduzir noutros planetas, mas esse não é o objectivo do projecto Mars One.

CONTACTO: Para gerar dinheiro para o vosso projecto, estava previsto os candidatos participarem num reality-show na televisão, no qual veríamos como são preparados para Marte, tipo programa “Survivor”. Vocês até tinham um contrato com a Endemol, empresa holandesa que produz programas como o “Big Brother” ou “A Casa dos Segredos”...

B.L.: Bem, o nosso conceito mudou um pouco. Pensámos melhor e em 2016 vamos fazer uma série de documentários nos quais vamos mostrar o processo de formação e de selecção dos candidatos, e como vamos escolher os quatro elementos de cada uma das seis equipas finalistas.

CONTACTO: A Endemol terminou o contrato com a Mars One, como vão fazer para produzir a série? 

B.L.: Já temos contrato com outra produtora, mas ainda não posso revelar qual.

CONTACTO: Você deixou a empresa de energia eólica que fundou em 2008 para se dedicar inteiramente a este projecto em 2011. A empresa Mars One já gera dinheiro que chegue para pagar salários? 

B.L.: Quando me demiti, vendi as minhas partes na empresa e isso deu-me algum conforto financeiro, o que faz com que eu não tenha de me preocupar com dinheiro. Neste momento, consigo pagar cinco das dez pessoas que trabalham na Mars One e isso dá-me uma grande satisfação.



CONTACTO: Continuam à procura de colaboradores? 

B.L.: Temos milhares de pessoas de todo o mundo que se oferecem para colaborar connosco gratuitamente, para fazer traduções, escrever textos, técnicos de imagem, grafistas. Temos um formulário no nosso site no qual as pessoas se podem inscrever se quiserem colaborar. O perfil das pessoas que procuramos depende de futuros projectos da Mars One.

CONTACTO: A título pessoal, acredita em marcianos? 

B.L..: (risos) Não acredito em homenzinhos verdes, mas acredito que encontraremos vida microbiana em Marte, ou descobriremos que a vida já existiu naquele planeta. Quanto a vida inteligente no Universo, tenho a total convicção que existe. Pode ser num milhar ou em mil milhões de planetas, mas algo deve existir algures. Seria demasiado arrogante pensar que somos os únicos seres inteligentes do Universo.

CONTACTO: Já pensou no que vai fazer depois de finalizado o projecto de chegar a Marte? 

B.L.: Hoje tenho 38 anos e acho que este projecto vai ocupar o resto da minha vida. Para mim, Marte é apenas o próximo passo a dar na nossa expansão no sistema solar.

José Luís Correia 
in contacto.lu e Jornal CONTACTO (27/05/2015)

(Vídeo promocional da Mars One)