Igor (à esquerda) e Grichka (à direita) dizem que os seus últimos
cálculos apontam para que o Universo seja redondo como uma bola de
futebol a três dimensões Foto: Guy Jallay |
Grichka é matemático e Igor é físico teórico, com doutoramentos feitos na Universidade de Borgonha. São também docentes na Universidade Megatrend de Belgrado (Sérvia). Ao CONTACTO e ao Luxemburger Wort concederam uma das únicas três entrevistas que deram no Grão-Ducado. A entrevista começou ao contrário, com os irmãos a fazerem a primeira pergunta e a quererem saber porque razão existia um jornal português no Luxemburgo.
Grichka e Igor Bogdanov (G. e I.B): Um jornal português? No Luxemburgo?
CONTACTO: Um quinto da população do Luxemburgo é portuguesa e se acrescentarmos também a lusófona chegamos a um quarto da população que fala português.
G. e I.B: Oh, que interessante. Sabe, um dos nossos grandes amigos é português. É filho daquele realizador português que morreu recentemente...
CONTACTO: O Manoel de Oliveira?...
G. e I.B: Sim, exactamente, somos grandes amigos do filho do Manoel de Oliveira, o José de Oliveira [trata-se de José Manuel Brandão Carvalhais de Oliveira, nascido em 1944, ndR].
CONTACTO/Luxemburger Wort: O vosso tema de predilecção é o Big Bang e o nascimento do Universo, aliás foi o tema de tese dos vossos doutoramentos. Mas nos vossos livros mais recentes têm vindo a defender uma nova teoria, a de que o Universo é redondo. Podem explicar-nos de forma simples?
G. e I.B: A noção de Universo e da sua forma colocam-se hoje da mesma forma do que quando houve a discussão sobre se a Terra era plana ou redonda. Hoje em dia, a comunidade científica pensa que o Universo é plano, mas o meu irmão e eu afirmamos que é redondo. Neste tipo de conceito temos que pensar em três dimensões, porque vivemos num espaço que tem três dimensões: comprimento, largura e altura. Os resultados dos nossos cálculos, em matemática e em física teórica, fazem-nos concluir que o espaço é curvo. Trata-se de uma curvatura muito ligeira, muito atenuada, mas não obstante ela existe e é, além disso, positiva, ‘marginalmente positiva’, como dizemos em termos científicos. Se fosse negativa o Universo era um hiperbolóide. Mas é positiva. Por isso o Universo é redondo. Os últimos resultados científicos parecem dar-nos razão. Os dados conseguidos pelos satélites astronómicos WMAP [Nasa, ndR] e Planck [da Agência Espacial Europeia, ESA, ndR] – os últimos resultados do satélite Planck foram apresentados em Fevereiro – levam-nos a pensar que o Universo tem efectivamente três dimensões e que é portanto redondo e não plano.
CONTACTO/LW: O Universo parece-se com uma bola de râguebi, como nas imagens da radiação cósmica de fundo que o satélite WMAP mostrou?
G. e I. B.: (risos) Não! Eu diria que se parece mais com uma bola de futebol. Neste caso é o princípio da isotropia [propriedade de um sólido quando se expande de igual modo para todos os lados quando lhe é acrescentada energia térmica, ndR] que se aplica, e aqui é a forma esférica a preferida e não a elipsóide. Mas, atenção, quando dizemos que o Universo se parece mais com uma bola de futebol é relativo, porque na realidade o Universo tem três dimensões e a bola de futebol apenas duas.
CONTACTO/LW: Os cientistas dizem que o Big Bang, que deu origem ao Universo, aconteceu há 13,7 mil milhares de anos. É essa a idade do Universo ou é apenas o nosso horizonte cósmico, ou seja, não conseguimos ver além e por isso não sabemos se é mais antigo?
G. e I. B.: Hoje conhecemos melhor a extensão do Universo no tempo do que no espaço. Temos uma visão menos precisa da sua extensão no espaço do que da sua extensão no tempo. Hoje, pensamos que o Universo tem cerca de 46 mil milhões de anos-luz de raio, pela sua acção de expansão, mas não temos bem a certeza, pode ser bem mais. Quanto à idade do Universo, temos uma ideia bem mais precisa. Em 2013, o satélite Planck demonstrou que o Universo tem cerca de 13,820 mil milhões de anos e que é portanto um pouco mais velho do que pensávamos, e que rondava os 13,7 mil milhões de anos. O que nos interessa a nós é o que havia antes do Big Bang [tema das suas teses de doutoramento, ndR]. Mas aí, entramos no mundo das hipóteses. Trata-se do instante de Planck, o momento em que o Universo nasceu. O que está antes desse instante está fora da realidade, desta realidade, fora do tempo. Aliás, o tempo nasceu nesse momento. Essa realidade existiu numa outra forma de tempo, um tempo imaginário, na acepção que os matemáticos dão à palavra “imaginário” [noção criada por René Descartes em 1637, ndR].
CONTACTO/LW: Vocês dizem que o Universo é feito de tal forma que é perfeito e que se for alterada a menor constante cosmológica, todo o Universo fica um caos, podia até nunca ter existido. Isso quer dizer que acreditam em Deus ou é uma conclusão matemática?
G. e I. B.: É uma conclusão matemática. No entanto, já São Tomás de Aquino dizia que podemos ir para o ’Mistério Supremo’ através das vias da razão. Ou seja, mesmo não querendo ser religioso, o facto é que essas vias da razão nos levam em direcção da ideia de algo supremo. No entanto, nós temo-nos esforçado, em todos os nossos livros, em nunca falarmos directamente de Deus. Apenas constatamos que o Universo é ordenado.
CONTACTO/LW: Mas acreditam em Deus?
G. e I.B.: Acreditamos no Deus de Einstein. Quando em 1936 um jovem reconheceu perguntou a Einstien se ele acreditava em Deus, este não lhe respondeu logo, mas prometeu-lhe escrever uma carta a responder, carta que é hoje mundialmente famosa. Na carta, Einstein diz que todos os que estudam de forma séria a Ciência vão acabar por compreender um dia que um espírito superior se manifesta nas leis do Universo. Quando Einstein diz isso está a pensar no espírito das leis, das leis da Física. A ordem a que obedecem as leis da Física reenvia para qualquer coisa que nós não definimos nos nossos livros, nem queremos, deixamos ao leitor o cuidado das suas próprias conclusões.
CONTACTO/LW: Foram convidados para vir ao Luxemburgo falar de computadores quânticos e da inteligência artificial. Concordam com o alerta feita pelo astrofísico Stephen Hawking sobre a inteligência artificial, que pode tornar-se um perigo para o Homem?
G. e I.B.: Pode parecer que Hawking e outros cientistas estão alarmados pela emergência de grandes sistemas que aos poucos podem tornar-se desviantes em relação à mente humana. Estivemos com Hawking e perguntámos-lhe o que ele quis dizer. Ele explicou-nos que não teme tanto uma revolução a esse nível, mas que queria apenas chamar a atenção para os perigos que essa revolução pode causar. A Humanidade tem que entrar nesse novo mundo com precaução, mesmo se é um passo inevitável. Nós acreditamos que nunca a inteligência artificial será comparável à inteligência ou à consciência humanas. Com os computadores quânticos acederemos a uma inteligência artificial que terá capacidades fulgurantes e que poderá ter semelhanças com a consciência humana, mas nunca chegará a ser comparável com esta, nem constituirá um perigo para a Humanidade. Nos anos 1950, as pessoas também tinham medo do que os computadores poderiam fazer ao ser humano. Hoje vemos que aumentaram as nossas capacidades em termos de trabalho, de comunicação, a muitos níveis que eram inimagináveis há 60 anos. Vai passar-se o mesmo com a inteligência artificial, será uma nova ferramenta que nos permitirá dar o próximo passo na nossa evolução.
CONTACTO/LW: E quanto aos computadores quânticos, que ajudarão a desenvolver inteligência artificial, são já uma realidade?
G. e I.B.: Há uma empresa canadiana que diz já produzir computadores quânticos, mas na realidade não são bem quânticos. Nós pensamos que essas novas máquinas serão uma realidade daqui a cinco ou dez anos.
CONTACTO/LW: Como é que um computador quântico funciona?
G. e I. B.: Enquanto um computador convencional funciona com bits, os quânticos vão funcionar com “qbits”, ou seja “quantum bits” (bits quânticos). Todos conhecemos o aspecto de um chip electrónico. Recentemente, estivemos num laboratório onde estão a construir um computador quântico e o cérebro dessa nova geração de computadores não são chips mas fotões, partículas sub-atómicas de luz. O que nós vimos tinha o aspecto de uma esfera num gás de partículas. Enquanto o processador de um computador convencional utiliza um código binário, no qual uma informação ou é 1 ou é zero, num computador quântico a informação pode ser 1 e zero ao mesmo tempo, e até zero e 1 sobre-posicionados, e mesmo mais, toda uma multiplicidade de sobreposição de estados que podem até ser um elemento sólido e uma onda ao mesmo tempo. Estas capacidades fenomenais vão permitir uma aceleração do tratamento da informação de dados que vai ser multiplicada por um factor de mil, 10 mil, 100 mil, um milhão. Se pedirmos a um computador actual para calcular a previsão do estado do tempo para um mês, os cálculos vão levar cinco anos, tendo em conta o que hoje se sabe da ciência da meteorologia e da sua aleatoriedade, mas sobretudo é esse o limite dos computadores de hoje. Um computador quântico vai poder efectuar esses cálculos em cinco minutos. Vejam bem a diferença colossal. Os computadores quânticos são para breve, até porque há três grandes actores globais a investir fortemente nisso: a agência de segurança interna dos Estados Unidos (NSA), a IBM e a Google. A NSA quer mesmo ter um desses computadores já a funcionar em 2020.
CONTACTO/LW: Pensam que a informática quântica é o passo tecnológico que nos falta dar para podermos aplicar ao sector aero-espacial e podermos viajar até outros sistemas estelares?
G. e I.B..: Na realidade, o que vai acontecer é uma verdadeira ’revolução quântica’, um passo gigante para a frente. Há quatro sectores que, a nosso ver, vão sofrer grandes pulos tecnológicos: a saúde, a energia, a indústria numérica e sim, a exploração espacial, também é uma delas. Portanto, sim, estamos convictos que os computadores quânticos vão ajudar a resolver muitos dos problemas que hoje enfrentamos nessa área, como por exemplo conseguir atravessar as grandes distâncias que nos separam dos sistemas estelares mais próximos.
José Luís Correia (CONTACTO) e Anne Fourney (WORT.LU)
in wort.lu , contacto.lu e Jornal CONTACTO (27.05/2015)